Os bens não econômicos; a diferença no trato dos agentes econômicos para cada tipo de bem; a incapacidade de gerir uma economia sem a propriedade; a abundância de recursos e a anomia produtiva
§3. A origem da Economia humana e os bens econômicos: b) Os bens não econômicos:
Estabelecida a definição dos agentes econômicos (agentes maximizadores da utilidade e da produção de bens escassos através do processo de estabelecimento de nexos causais extensos, divisão do trabalho e da análise microfundamentada de bens n'um mercado qualquer; possuidores de necessidades intrínsecas e naturalmente egoísta pois naturalmente é conduzido pela preservação de sua existência e de sua prole), bens econômicos (bens em que a sua demanda pelos agentes econômicos portadores de necessidades, sobrepuja a sua oferta, ou seja, são escassos e são virtualmente impossíveis de serem replicados para a satisfação de todas as necessidades), e do conceito de propriedade (instituição naturalmente instituída do represamento de bens econômicos angariados por um indivíduo a partir de sua produção ou troca nos mercados de trocas voluntárias, adquiridos com o fim de preservar a satisfação de suas necessidades para com o tempo presente e o tempo futuro, transformando-se em previdência quando acumulada com esse propósito). Esses conceitos são fundamentais para a análise dos bens não econômicos, que são objeto de nossa análise nessa seção da obra de Carl Menger.
Ora, se bens econômicos são definidos por bens em que a sua demanda sobrepuja a sua oferta, tornando impossível a completa satisfação de todos os agentes econômicos por esse bem, os bens não econômicos caracterizam-se por ser bens em que a oferta sobrepuja a demanda, ou seja, são bens em que os agentes econômicos conseguem satisfazer as suas satisfações para com esse bem em sua totalidade. Não vamos, portanto, achar que, pelo fato do bem não ser econômico, ele não possui a qualidade de utilidade, ou seja, que esse bem não econômico não é capaz de suprir determinado estado de necessidade humano. Ele muito bem pode possuir a qualidade de suprir certas necessidades humanas, porém, o que o diferencia dos bens econômicos é a sua disponibilidade e potencial para a satisfação quantitativa de todos os agentes econômicos que necessitarem de suas propriedades consideradas "úteis" para a satisfação de seus desejos.
Menger, utilizando o exemplo de uma fonte d'água inesgotável (virtualmente incapaz de se esgotar pelo fato dela brotar com maior intensidade do que a demanda por ela em uma determinada vila), ilustrou a diferença fundamental entre bens econômicos e bens não econômicos. Se uma fonte d'água puder facilmente suprir a necessidade de todas as pessoas na região, sem a preocupação de se esgotar, ela é considerada um bem não econômico.
Portanto, a principal diferença entre um bem econômico e um bem não econômico, excetuando a constatação óbvia de que um é um bem escasso (seja pelo fato da demanda sobrepujar a oferta ou pela oferta se contrair por algum motivo) e o outro não é escasso (seja pela baixa demanda pelo bem ou pela oferta sobrepujar a demanda, como no caso da fonte d'água), é a forma como que os agentes econômicos se relacionam com os bens econômicos e os bens não econômicos.
Menger então estabelece a diferença de trato dos agentes para com os bens não econômicos: "é evidente que, se tratando de qualquer bem em que a oferta supera a demanda, estão excluídas todas aquelas preocupações e formas do agir econômico necessariamente presentes no caso oposto, dos bens cuja demanda supera a oferta". Vê-se que os agentes econômicos perdem justamente as características que os fazem tomar ações econômicas quando lidam com bens não econômicos, pois, nesse cenário, a oferta é abundante em relação à demanda. Eles deixam de ser agentes maximizadores de utilidade e estabelecedores de nexos causais, não necessitam utilizarem de cálculos econômicos microfundamentados para tentar encontrar a sua demanda pelo determinado bem em tempos presentes e, provavelmente também não irá se preocupar com bens não econômicos em tempos futuros.
Outra característica que parece perder sua relevância quando se trata de bens não econômicos é a propriedade. Podemos inferir que a função primordial da propriedade é a otimização da utilidade e produção de bens econômicos, ou seja, daqueles que são escassos para os indivíduos que procuram maximizar, por meio de cálculos econômicos microfundamentados, qual será o procedimento que preservará melhor seus recursos limitados para a satisfação de suas necessidades presentes e futuras. A instituição da propriedade emerge como essencialmente vinculada à gestão de bens escassos e à resolução de conflitos decorrentes dessa escassez, perdendo sua aplicabilidade direta quando lidamos com bens que não enfrentam tal condição de escassez.
Mas o que tratamos acima apenas possui validade quando todas as necessidades humanas são supridas a partir de bens não econômicos e que, milagrosamente, essa condição há de se tornar constante, sem que os agentes econômicos, sempre atentos à quantificação de seu estoque de bens (claro que em uma situação irreal como esta, os agentes econômicos agirão com letargia para com a avaliação das condições atuais, e demorarão um pouco para começar a tratar os bens não econômicos como se econômicos o fossem, sempre de acordo com o cálculo econômico microfundamentado) percebam uma dissonância das condições atuais do mercado e essa abundância surrealista. No entanto, essa é uma situação extremamente utópica e distante da realidade. A escassez é uma característica intrínseca à condição humana, e a economia lida continuamente com a alocação de recursos limitados para atender a necessidades ilimitadas. Portanto, a abordagem centrada na propriedade e na gestão eficiente de bens econômicos permanece vital em um contexto onde a escassez é uma realidade inescapável, moldando as decisões dos agentes econômicos e delineando os princípios fundamentais da teoria econômica.
Podemos concluir, portanto, que a abundância de recursos, seja pela demanda diminuta ou pela disponibilidade abundante de bens que satisfaçam as necessidades humanas, pode gerar uma letargia nos indivíduos que lidam exclusivamente com bens não econômicos. Essa condição de abundância pode levar à complacência e à falta de estímulo para a otimização na alocação de recursos, uma vez que as decisões econômicas tornam-se menos prementes em um cenário de relativa plenitude. Em situações onde os bens são econômicos, há uma necessidade (de vida ou morte) de que os agentes se tornem agentes econômicos, sempre maximizando a utilidade e a produção de recursos, estabelecendo nexos causais e, em um estágio de desenvolvimento mais pujante, dividindo o trabalho de acordo com as preferências e potencialidades de cada indivíduo de uma determinada localização geográfica, que, cada vez mais forma uma "teia" de trocas voluntárias entre indivíduos que produzem bens e serviços especializados para com outros indivíduos que produzem o bem/serviço que esses primeiros necessitam para a satisfação de suas necessidades.
A propriedade entra nesse ambiente muito antes do estabelecimento dessa sociedade que acabamos de descrever. Sem a propriedade não há sobrevivência em ambientes onde os bens que os agentes necessitam para sobreviver são escassos e econômicos. Apenas a propriedade proporciona que esses agentes econômicos e maximizadores, através de cálculos econômicos microfundamentados, possuam a capacidade de maximizar a utilidade de seus bens e controlar a produção dos mesmos (na divisão do trabalho a propriedade serve como um "acúmulo de trabalho" do agente econômico que utiliza o mesmo para satisfazer as suas necessidades a partir de trocas voluntárias no mercado). Só a partir da propriedade os agentes possuem a capacidade de acumular bens que produziram em tempos de bonança e, através do cômputo descentralizado do cálculo econômico microfundamentado prever as suas provisões e conseguir literalmente sobreviver (quem é melhor que o próprio agente que conhece as suas próprias necessidades para estabelecer sua previdência de bens para um tempo futuro?). Só a partir da propriedade os agentes econômicos conseguem maximizar, através do sistema de preços (que só é fidedigno se ele for determinado praxiologicamente através das trocas VOLUNTÁRIAS entre os agentes econômicos), uma vez que ele "premia" o agente econômico que produzir determinado bem mais caro ou, virtualmente mais escasso no mercado (o agente que, em um mercado de trocas voluntárias, mais ganha é aquele que produz o bem mais caro, ou seja, ele, de uma vez só, buscando o bem para si mesmo, que é maximizando os seus lucros, acaba angariando o bem para com todos os outros participantes do mercado, de forma a fornecer o bem mais demandado e, consequentemente, o mais caro). Bom, estou me alongando nesse assunto, mas é inegável que essa interação sinérgica entre propriedade, sistema de preços e trocas voluntárias é a espinha dorsal de uma economia funcional.
Poderia aqui fazer a "apologia" da propriedade, citando todas as características que tornam o sistema de propriedade privada, o mais eficiente na gestão de recursos escassos e o desastre, tanto ético quanto econômico se a banirmos da existência. Mas esse não é o assunto desse livro.
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