Os bens econômicos; os cenários possíveis da oferta e demanda na economia; como os agentes econômicos maximizam a satisfação de suas necessidades em um paradigma de demanda superior a oferta; resultado do cálculo econômico microfundamentado na preservação da satisfação das necessidades humanas.

 §3. A origem da Economia humana e os bens econômicos: a) os bens econômicos

Na seção anterior da nossa análise da obra "Princípios", de Carl Menger, analisamos as complexidades que tangem a dimensão da demanda pela ótica tanto dos indivíduos particulares, quanto dos grupos comerciais. Dentro dessa vereda, exploramos a prática que denomino como "análise microfundamentada" dos aspectos da demanda para com as condições atuais de posse de bens de diferentes ordens, respeitando sempre as leis que circundam o tema da demanda por bens superiores (a saber é a de que a demanda efetiva por estas está condicionada pela demanda por bens de ordem inferior, pois são essas últimas que realmente satisfazem as necessidades humanas).

No processo de análise microfundamentada, os agentes econômicos buscam "avaliar a quantidade de bens que poderão suprir suas demandas futuras", portanto, a partir dessa análise, que mede não apenas a questão de "como produzir", mas também de "quanto produzir". Esse último tópico engloba não apenas a percepção dos agentes econômicos no que tange a satisfação de suas satisfações presentes e futuras, mas engloba também a quantidade de determinado bem (oferta de determinado bem) no mercado de trocas voluntárias, afinal, na sociedade globalizada, a possibilidade que os meios de pagamento, comunicação e transporte proporcionou para que um indivíduo conseguisse sobreviver sem produzir a maioria dos bens que ele mesmo consome aumentou vertiginosamente. 

O fato de um indivíduo não produzir aquilo que ele mesmo consome para sobreviver é um "sinal dos tempos" de uma era onde, a partir do estabelecimento de cada vez mais nexos causais nas produções de bens e serviços, e o decorrente aprimoramento na produtividade, gerando abundância e comodidade, a humanidade passou por uma "era de especialização", que nada mais é do que a divisão de trabalho smithiana, onde, o homem, munido de suas preferências e potencialidades, e até mesmo suas particularidades materiais, se especializa em uma atividade específica, aprimorando cada vez mais o processo produtivo nela englobado, tornando-se um especialista. Dessa forma, esse especialista poderá trocar seus bens e/ou serviços no mercado de trocas voluntárias por bens e serviços que ele mesmo não produz, mas que são essenciais para suprir seu "estado de necessidade" a partir da utilidade desses bens.

A análise smithiana da divisão do trabalho, aplicada em um conceito macrofundamentado, desembocou na teoria ricardiana de vantagens comparativas. E esses conceitos se aplicam na análise mengeriana da divisão do trabalho a partir do aprimoramento dos nexos causais produtivos, ou seja, para que o paradigma da divisão do trabalho e, consequentemente leitura ricardiana a partir das vantagens comparativas de uma nação, o processo de aprimoramento e expansão dos nexos causais na produção devem ter sido previamente aprimorados e, digo mais, deve-se estar em um aprimoramento contínuo, que tenderá a se expandir até o limite da potencialidade tecnológica.

Com base nas premissas anteriores, Menger estabelece "as maneiras com que as pessoas utilizam as quantidades disponíveis de bens (meios de consumo e meios de produção) para o atendimento mais completo possível de suas necessidades". Aqui, percebe-se a tentativa (dentro dos limites estabelecidos pela cognição) de otimizar a alocação de recursos, evidenciando a busca incessante por eficiência no processo econômico. Essa abordagem estratégica revela não apenas a racionalidade subjacente às escolhas individuais, mas também a capacidade adaptativa dos agentes econômicos diante das constantes mudanças no panorama de demandas e ofertas. 

E, a partir do cálculo microfundamentado, os agentes econômicos podem se deparar com três consequências materiais possíveis:

a) que a demanda seja maior que a quantidade de bens disponíveis (demanda > oferta);

b) que a demanda seja menor que a quantidade de bens disponíveis (demanda < oferta); e

c) que a demanda e a quantidade disponível de bens sejam equivalentes.

Menger então comenta cada uma das três situações expostas acima: "A primeira situação (demanda maior que a oferta) é verificada constantemente, em relação à grande maioria dos bens - tendo como inevitável resultado que parte das necessidades existentes terá que permanecer desatendida". Menger, nessa passagem, reconhece a perenidade da primeira situação (demanda maior que a oferta), constatando que esta é uma condição recorrente em relação à grande maioria dos bens. Ele enfatiza o inevitável resultado: parte das necessidades existentes terá que permanecer desatendida. Ao destacar essa realidade, Menger sublinha a importância de escolhas criteriosas e da alocação eficiente dos recursos disponíveis para mitigar as lacunas inevitáveis entre demanda e oferta, promovendo, assim, uma visão realista e pragmática da dinâmica econômica. Essa é uma característica intrínseca dos bens econômicos, eles são escassos. Afinal, os próprios bens são limitados por diversas dimensões que atuam na realidade fática, como a oferta limitada de bens de todas as ordens, os recursos limitados para sua produção/transformação, a limitação temporal do tempo dispendido e a sua relação com o tempo máximo que as necessidades humanas precisam ser satisfeitas, dentre outros limitadores por parte da curva da oferta (esse termo será mais explorado por Marshall no final do século XIX, admoestado pelos keynesianos, no início do século XX e destrinchado pelos monetaristas anos depois).

A partir dessa realidade material (a de que, para com a maioria dos bens, grande parte das demandas subjacentes naturalmente tenderão a permanecer desatendidas, ou atendidas parcialmente), Menger diz que os agentes econômicos tenderão a tomar dois caminhos distintos, que são:

a) procuram adquirir qualquer quantidade possível dos referidos bens, para dispor dos mesmos; e

b) procuram fazer com que esses bens não percam sua qualidade de bens úteis.

Dessa, forma, o próprio Menger irá explicar de forma mais concisa, direta e inteligível que a minha: "as pessoas, por um lado tomam consciência de que, em qualquer hipótese, parte de suas necessidades em relação aos mencionados bens permanecerá sem atendimento (item "a"); por outro lado, tomam consciência de que, se alguém abusar desses bens disponíveis em quantidade reduzida, o número de necessidades sem atendimento será maior ainda do que seria se todos fizessem uso correto e moderado dos mesmos (item "b")". Ou seja, deparados com uma situação onde a demanda por determinado(s) bem é maior que sua oferta, por qualquer motivo, os agentes econômicos tendem a adquirir a quantidade que conseguirão dispor desse bem, mesmo que limitadamente e parcialmente e, maximizar a sua utilidade através do seu uso moderado

Ainda, com referência a esses bens em que a demanda é maior que a oferta, os agentes adotarão outras medidas, como:

a) procurarão fazer uma escolha entre as necessidades mais importantes - que poderão ser atendidas com as quantidades disponíveis (ainda que limitadas) dos mencionados bens - e aquelas que necessariamente deverão deixar de atender; e

b) procurarão tirar o máximo proveito possível das reduzidas quantidades de bens de que poderão dispor; em outros termos, tudo farão para utilizar esses bens (meios e consumo, e sobretudo meios de produção) da maneira mais adequada possível, no atendimento de suas necessidades.

Desse modo, os agentes econômicos, mesmo que inconscientemente, diante da realidade de que não conseguirão dispor da totalidade de suas necessidades, optarão, a partir de seus recursos limitados, em angariar determinados bens que satisfaçam determinadas necessidades que o agente optará por satisfazer em troca do não atendimento de outras (portanto, um trade-off), isso que Menger quis explicitar no item "a". No item "b", Menger estabelece que, a partir do cálculo econômico microfundamentado, o agente atua como um maximizador da eficiência de recursos, uma vez que ele mesmo não dispõe de meios para substituí-los em sua totalidade, ele assume esse papel para conservar o atendimento de suas necessidades em um nível relativamente estável. Aqui, Menger explicita que o fenômeno praxiológico que podemos enxergar no item "b" é mais evidente para com os meios de produção, pois os mesmos representam a base sobre a qual repousa a capacidade de satisfazer continuamente as demandas individuais. Essa perspectiva destaca a importância crucial do cálculo econômico na gestão inteligente dos recursos, delineando o agente como um arquiteto racional de seu próprio bem-estar dentro das limitações impostas pela escassez.

Então, a partir desses pressupostos, podemos enxergar que, a partir de um fenômeno dado (a natural tendência da demanda superar a oferta), os agentes econômicos, munidos de cognição, desenvolvem cálculos econômicos microfundamentados que, a partir de informações, traçam planos de execução linear em que buscam maximizar o atendimento de determinadas necessidades (aquelas que conscientemente ou não, consideram fundamentais) e preservar os seus bens de consumo e meios de produção que já possuem, de forma a preservar o atendimento "base" de suas necessidades. Além disso, a partir dos cômputos informacionais, o agente econômico visa, de forma geral, dentro de suas possibilidades, aprimorar a eficiência para com o atendimento de suas necessidades, tendo em vista a depreciação natural dos bens e sua limitação de oferta n'uma economia.


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