Os bens econômicos e os agentes econômicos; a propriedade; a inevitabilidade da propriedade e a sua característica de permitir que agentes econômicos subsistam; a propriedade como fator maximizador quando conjugada com a previdência e com o cálculo econômico microfundamentado.

 §3. A origem da Economia humana e os bens econômicos: a) os bens econômicos - Continuação:

A partir dos pressupostos mengerianos observados entre os agentes econômicos e a sua relação com bens de demanda superior a oferta em um dado mercado, Menger define o conceito de economia como: "o conjunto total das atividades do homem orientada para os objetivos acima descritos; os mencionados bens, na situação que caracterizamos (de grande demanda e pouca oferta), denominamo-los bens econômicos (objeto exclusivo da Economia no sentido que acabamos de descrever)". 

Portanto, a partir da relação dos agentes econômicos com bens demandados, porém não ofertados o suficiente para suprir todas as necessidades desses agentes em determinado mercado, Menger cunha a definição abrangente de economia como a relação dos agentes econômicos maximizadores da produção e da manutenção das utilidades de seus bens demandados (dentro dos limites cognoscíveis, utilizando a maximização da eficiência no aproveitamento de bens escassos dentro da lógica do cálculo econômico microfundamentado) para com a produção, que por sua vez, é limitada pela materialidade dos fatos que tangem o processo produtivo no mundo real (ou seja, limitados por fatores da materialidade que não permitem a oferta de bens crescer infinitamente, uma vez que a produção é delimitada por fatores inerentes ao mundo real, como o tempo, a escassez de recursos, as limitações tecnológicas, as limitações dimensionais, as limitações materiais de insumos e estocagem, dentre inúmeros fatores limitadores da curva da oferta). 

De um lado temos necessidades que independem de fatores materiais para serem criadas por nossa mente naturalmente inquieta e insatisfeita, e do outro temos o mundo real, limitado por leis naturais e intransponíveis, provedor de bens que podemos utilizar no processo produtivo, é verdade, mas esses bens são limitados por fatores de produção e por fatores naturais, que podem ocorrer aleatoriamente a partir de variáveis exógenas. Por isso, no nosso trato rotineiro com bens onde a demanda é maior que a oferta (que são justamente os bens econômicos destacados por Menger), surge a essencialidade da economia como disciplina. Nesse cenário, a interação entre as necessidades humanas, que são virtualmente ilimitadas, e os recursos disponíveis no mundo real, que são limitados, cria um ambiente propício para a análise econômica. 

A partir dessa relação entre a demanda por bens que são naturalmente limitados e a oferta a partir de forças produtivas que não suprem determinada demanda com a oferta subjacente, surge o conceito de bens econômicos, e, justamente os agentes que dependem de sua utilidade para satisfazer as suas necessidades e podem, através do seu empenho e da congregação de forças produtivas para angariá-los e satisfazer suas necessidades, são denominados agentes econômicos

Menger então, descreve o fenômeno de formação de bens econômicos, com a demanda superando a oferta subjacente de forma aplicada em uma sociedade mais ampla, destrinchando a análise mais superficial de uma dimensionalidade limitada por fenômenos individuais ou setoriais, Menger diz: "Ocorrendo a relação quantitativa vista acima *demanda superando a oferta (em uma sociedade na qual a quantidade disponível de certos bens é inferior à demanda dos mesmos), é impossível, como acabamos de dizer, que se consiga atender totalmente às necessidades pertinentes de todos os indivíduos que compõem a referida sociedade; é absolutamente certo que, em tal situação, parte dos indivíduos da sociedade verá suas necessidades desatendidas, ou atendidas parcialmente. É aí então que entra em jogo o instinto egoístico do homem; nesse caso em que a quantidade não é o suficiente para todos, cada indivíduo se empenhará em atender, de maneira mais completa possível, sua própria necessidade, com exclusão dos outros". 

Vê-se que Menger utilizou outro cunho naturalístico para definir, após de delimitar o potencial maximizador da utilidade de bens no cálculo econômico microfundamentado, quando a situação envolve bens econômicos, que, por sua natureza são limitados e sua demanda superior a oferta, o instinto egoístico de busca pelo próprio interesse emerge como um motor essencial no processo econômico. Menger, ao considerar a natureza intrínseca dos bens econômicos - aqueles que são escassos em relação à demanda - destaca que o egoísmo, entendido como a busca racional pela maximização da utilidade individual, é um elemento fundamental nas decisões dos agentes econômicos. Ao delinear o cálculo econômico microfundamentado, Menger reconhece que os indivíduos, diante da escassez de recursos, são impulsionados pelo instinto egoísta de satisfazer suas próprias necessidades e desejos. 

Essa abordagem naturalística reflete a percepção de Menger sobre o comportamento humano no contexto econômico, onde a busca pelo interesse próprio é uma força motriz que molda as escolhas, as transações e, em última instância, os resultados do sistema econômico. O instinto egoísta, neste contexto, não é necessariamente pejorativo, mas sim uma expressão da racionalidade individual na alocação de recursos escassos para atender às preferências pessoais. Menger reconhece que, ao compreender e aceitar esse aspecto natural do comportamento humano, podemos melhor apreciar a complexidade e a eficácia do sistema econômico como um todo.

Menger, então, advoga de maneira lógica, concisa e fundamentada sobre o papel da previdência e da propriedade: "Com isso, surge a necessidade da previdência - que a sociedade assegure a proteção legal aos indivíduos que consigam apossar-se legitimamente da referida parcela de bens, contra o ataque dos demais indivíduos. Chegamos assim à origem econômica de nossa ordem jurídica atual: a proteção à propriedade". Menger conecta de maneira intrínseca a estrutura legal e econômica, destacando a importância da previdência como um mecanismo de garantia de direitos individuais e a propriedade como o alicerce sobre o qual a ordem jurídica e econômica se sustenta. Essa visão evidencia a interconexão entre instituições legais e o funcionamento eficiente do sistema econômico, sublinhando a necessidade de um ambiente seguro para a posse e troca de propriedades como um facilitador essencial para o desenvolvimento econômico. Podemos inferir então que, a partir da natureza dos bens econômicos, e a própria materialidade da relação dos homens com as suas necessidades juntamente com os bens que necessitam, surge a instituição da propriedade privada.

Ou seja, uma vez que existe uma necessidade de cada indivíduo, através do seu cálculo econômico microfundamentado, a delimitação de suas necessidades presentes e futuras para angariar bens que permitam a manutenção de sua vida (bens e meios produtivos), uma vez que ele necessita estocar bens para necessidade futura, ele necessitará constituir um patrimônio, uma previdência, e essa previdência só será garantida pela propriedade privada dos bens em uma economia. Ou seja, a única solução prática possível para a economicidade dos bens (defasagem entre a demanda e a oferta) é a instituição da previdência e o seu amparo ético subjacente. Em termos gerais, enquanto houver defasagem entre a demanda e a oferta de bens, que o tornam bens econômicos e, consequentemente, a satisfação da demanda por eles em uma economia inviável, a única solução que visa a estabilização dessa necessidade e o acúmulo para o gozo posterior, em tempos de escassez é a previdência a partir do cálculo microfundamentado de necessidades presentes e futuras, que só poderá ser estabelecida a partir da propriedade privada. 

Menger infere que, para se extinguir naturalmente a instituição da propriedade, seria necessário que os bens econômicos desaparecessem, ou seja, que eles deixem de ser econômicos e passem a ser não econômicos (no sentido de a oferta de bens superar a demanda). 

Existem duas possibilidades que resultam em bens econômicos perderem essa característica, seja pela diminuição da demanda  ou pelo aumento da oferta. Efetivamente, ambas as circunstâncias delineadas são de realização improvável, uma vez que negligenciam a peculiaridade inerente aos agentes em uma economia. 

A primeira consideração, a redução drástica das necessidades humanas (redução da demanda humana por bens, seja pela saciedade prolongada das necessidades ou pela restrição imposta por algum agente externo ou auto imposta), não condiz com a tendência histórica de um aumento constante nas aspirações e demandas individuais. A natureza dinâmica e em constante evolução das preferências humanas desafia a probabilidade de uma diminuição significativa e generalizada nas necessidades. 

Por outro lado, a segunda consideração, um aumento exponencial na produção a ponto de superar perenemente a demanda, é confrontada pela limitação intrínseca da produtividade humana. A produtividade não pode se expandir ad aeternum, encontrando barreiras naturais, tecnológicas e práticas que impedem um crescimento ilimitado na oferta de bens.

Outra barreira seria a natural taxa de natalidade e a contínua expansão da sociedade, que é algo natural. O surgimento de novos grupos de indivíduos e suas respectivas posições geográficas não são contempladas pelos modelos estáticos e de equilíbrio que procuram estabelecer uma proposição estática dos bens e, consequentemente, advogam pelo fim da propriedade.  

A falácia teórica reside na premissa de que grupos, ao adotarem proposições estáticas e irreais sobre a relação entre a oferta e a demanda, podem efetivamente modelar e compreender a complexidade dinâmica da economia. Ao considerar apenas equilíbrios estáticos, esses modelos negligenciam a natureza intrinsecamente mutável das preferências humanas, das condições demográficas e do ambiente econômico. Ao adotar uma abordagem estática e irrealista, essas teorias desconsideram a dinâmica inerente à sociedade, incluindo fatores como mudanças nas preferências do consumidor, inovações tecnológicas, variações demográficas e evoluções no cenário geopolítico. Ao fazê-lo, falham em capturar a verdadeira complexidade do sistema econômico, que está em constante transformação. Além disso, a proposição de abolir a propriedade com base em modelos estáticos não leva em consideração a função crucial que a propriedade desempenha na adaptação e coordenação diante das mudanças. A propriedade, como instituição, é uma ferramenta fundamental para a eficiente alocação de recursos e a garantia de direitos individuais em um ambiente dinâmico.

Menger, então, sintetiza a situação exposta na seguinte passagem: "Eis porque a propriedade, no sentido visto acima, é inseparável da economia humana em sua dimensão social; e qualquer plano de reforma social só poderia empenhar-se no sentido de uma adequada distribuição dos bens econômicos, mas não poderá abolir a instituição da propriedade como tal".

Resumindo: A existência da propriedade é justificada pela necessidade de coexistir em um mundo caracterizado por demandas quase infinitas e recursos escassos. A propriedade emerge como o meio primordial para assegurar a previdência e o acúmulo de bens econômicos por agentes maximizadores. Esses agentes, ao realizar cálculos econômicos microfundamentados, avaliam suas necessidades presentes e futuras, fundamentando a decisão de posse e gerenciamento de recursos. Nesse contexto, a propriedade se revela como uma instituição crucial, permitindo a coordenação eficiente e a satisfação das demandas individuais. 

Com o estabelecimento de nexos causais mais extensos e a consequente divisão do trabalho, a especialização dos indivíduos permite-os trocar os excedentes de produção (que, pela dimensão atual da especialização, permite que o indivíduo consuma a maior parte dos bens que necessita a partir do trabalho e da cooperação mútua de outros membros do mercado) em troca de outros bens que ele mesmo não produz. A propriedade é a única maneira de agentes econômicos maximizadores organizarem eficientemente seus recursos em um ambiente de constante interação e colaboração.


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