A demanda por bens de primeira ordem e sua relação com a demanda de bens de ordens superiores; a impossibilidade de estabelecer quantitativamente a demanda por bens; o mercado como ferramenta saneadora da imprevisibilidade.
§1. A demanda humana. a) A demanda de bens de primeira ordem (bens de consumo): Menger postula que "em primeira linha, e de maneira imediata, as pessoas só sentem necessidade de bens de primeira ordem, ou seja, bens que podem ser utilizados direta e imediatamente para satisfazer às suas necessidades concretas". Isso se torna evidente quando constatamos o fato de os bens de primeira ordem serem necessariamente os bens que, por sua utilidade extrínseca e subjetiva, consegue satisfazer as necessidades dos homens, transmutando o estado prévio de necessidade que o indivíduo se encontrava antes da posse efetiva do bem para o estado de saciedade. Menger, nessa linha, ainda conclui dizendo que "se não houver demanda de bens desse tipo (bens de primeira ordem), não pode surgir demanda de bens de ordem superior", e isso também é constatável pelo fato de que os bens de ordens superiores apenas são considerados bens pois possuem um nexo causal que os leva até a satisfação das necessidades humanas, ora, se existe uma "teia" de nexos causais entre os bens de ordem superior até as necessidades humanas, esse conjunto de nexos causais devem cruzar com bens de primeira ordem, pois eles são necessariamente o objetivo da produção.
Ou seja, os bens de ordem superior possuem uma demanda na medida em que os bens de primeira ordem correspondentes também a possuem, uma vez que o estado de satisfação só é alcançado a partir dos bens de primeira ordem.
Porém, como eu já disse anteriormente, com o estabelecimento de nexos causais cada vez maiores e mais intrincados, os homens estabeleceram relações entre bens de ordem cada vez maiores para bens de primeira ordem distintos. Isso ocorre quando um bem de ordem superior pode, através do processo de produção, transformação e combinação com os bens complementares, resultar em diferentes bens de primeira ordem. Por exemplo, a farinha de trigo, um bem de ordem superior, pode ser transformada em pão, um bem de primeira ordem ou em um bolo, outro bem de primeira ordem.
Portanto, com o estabelecimento de cada vez mais nexos causais entre bens de ordem superior e bens de primeira ordem, a demanda de um bem superior não estará relacionada a apenas um bem de primeira ordem. Ou seja, apesar da demanda pelo bem de primeira ordem (pão) influenciar diretamente na demanda pelo bem de ordem superior (farinha), elas não são idênticas, uma vez que a demanda de bem de ordem superior (farinha) que possui nexos causais com diversos bens de primeira ordem serão influenciadas por cada uma das demandas existentes para os diversos bens de primeira ordem que possuem nexo causal com o bem de ordem superior. Nesse caso explicitado, a demanda da farinha será influenciada (além pela demanda efetiva por pão) pela demanda efetiva dos bolos, massas, crepes e etc.
Percebe-se nesse caso concreto que o estado de necessidade (fome) impulsionou os indivíduos ao estabelecimento de diversos nexos causais entre o bem de ordem superior (farinha), com outros bens de ordem superior e bens complementares (água, fogo etc.) para resultar em muitas sortes de bens de primeira ordem (crepes, bolos, massas, tortilhas etc.). A partir desse estabelecimento (levando em consideração que todos os bens correspondem a todos os requisitos explicitados no capítulo I), todos os bens de primeira ordem, através de sua utilidade extrínseca (subjetiva e pessoal) levam os homens, que antes se encontravam em estado de necessidade (fome) para o estado de satisfação (saciedade). Graças ao estabelecimento de diversos nexos causais os diversos bens de primeira ordem passaram a representar um núcleo de produção através da divisão do trabalho (já que existem padeiros, que são responsáveis por fabricar pães e confeiteiros, que fabricam bolos, e assim por diante).
Portanto, ao ocupar-nos de entender primeiramente a natureza da demanda para com os bens de primeira ordem, entenderemos a natureza da demanda por bens de ordem superior, uma vez que esta última está diretamente condicionada à primeira.
Sobre a demanda de bens de primeira ordem, Menger assim anuncia; " a quantidade de bens de primeira ordem que é necessária para atender a uma demanda humana concreta (...) é determinada diretamente pela própria necessidade ou necessidades existentes". Nesse trecho, o autor estabelece e quantifica a demanda de bens de primeira ordem em um período horizontal específico (presente e futuro), tendo em vista que os bens de primeira ordem apenas o são se conseguem suprir nossas necessidades, então necessitaremos dos bens de primeira ordem da mesma maneira que possuímos necessidades para suprirmos.
Da mesma forma que a natureza humana é exata em postular que, por nossa própria condição, sempre conviveremos com estados de necessidade progressivamente maiores se não satisfeitos, culminando na extinção do ser, também, por conta da incapacidade cognitiva e material de prevermos com exatidão quais serão as nossas necessidades futuras, convivemos em um constante dilema de saber que sentíamos, sentimos e sentiremos necessidades (daí resulta, a partir da conclusão empírica do confronto com o estado de necessidade, a função e estabelecimento da previdência, ou acúmulo presente de bens para o consumo a posteriori), mas, por conta de imprevisibilidade dos eventos, essas necessidades são inquantificáveis por natureza. Portanto, é evidente que, enquanto existem seres-humanos, existirá uma demanda por bens de primeira ordem, e, por conta da variedade de bens de primeira ordem que existem, essa demanda se dissipará de acordo com as avaliações subjetivas de cada indivíduo.
Menger, por sua vez, evidencia que, mesmo sendo essa demanda futura por diversos bens de primeira ordem ser imprevisível, não impede das pessoas, a partir do reconhecimento, previsão e aproximada mensuração, manter em estoque para eventuais eventos. Ele diz que "mesmo as pessoas que moram no campo, costumam ter em casa, na medida de suas posses, pequena farmácia doméstica (...); pessoas previdentes costumam ter em casa aparelhos contra incêndio (...)".
Menger utiliza da ilustração a partir de necessidades que, muitas vezes são consideradas de probabilidade remota de ocorrer em um cenário real para demonstrar que, a necessidade premente de bens, não exclui a previdência para o eventual atendimento de necessidades futuras. Tendo isso em vista, podemos dizer que a demanda por bens de primeira ordem é influenciada pelas necessidades presentes e futuras dos indivíduos. A quantificação necessidades futuras calculadas pelos indivíduos são aquelas que certamente ocorrerão (necessidade de comer, por exemplo) e as que podem não ocorrer, mas os indivíduos a quantificam mesmo assim (proteção contra incêndios, remédios, armas e etc.).
Outra circunstância que temos que levar em conta na quantificação da demanda por bens de primeira ordem é a possibilidade de evolução das necessidades humanas. Menger especifica esse tipo de necessidade, dizendo que "se existe essa possibilidade (eventualmente infinita) de evolução, poderia parecer também que o limite de bens é suscetível de crescer continuamente, até o infinito, tornando dessa forma, impossível qualquer previsão das pessoas em relação à sua demanda futura de bens". É inegável que Menger, ao postular a possibilidade de evolução das necessidades humanas galga o subjetivismo e a análise qualitativa da demanda ao pináculo de sua teoria econômica, diferenciando-o de W.S Jevons e León Walras, que, juntamente de Menger, desenvolvem um sistema que vai contra às bases da Economia Clássica de Ricardo e Smith. Como analisaremos quantitativamente a demanda, por exemplo, de diversos agentes econômicos que coexistem em uma economia? Como podemos aplicar métodos quantitativos para entender a evolução das necessidades humanas proposta por Menger?
Menger ainda conclui o seu ponto, mostrando através da análise empírica a razão de postular a evolução das necessidades humanas ad infinitum: "se observarmos como as pessoas planejam o atendimento de suas necessidades futuras, perceberemos que se empenham seriamente em levar em conta a possibilidade de evolução de suas necessidades. Assim, por exemplo, quem tem em vista aumentar sua família, ou quem espera melhorar sua posição social, ao construir sua moradia e ao adquirir veículos e outros bens de maior durabilidade há de levar em conta suas exigências maiores em relação ao futuro".
Mesmo carregando esse fator imprevisível, a demanda por bens de primeira ordem é estimada de acordo com o planejamento empírico dos homens em relação aos cômputos de informação disponíveis. Essa estimativa envolve a consideração consciente das experiências passadas, observações do ambiente circundante e a análise das condições presentes que podem influenciar as necessidades futuras. Portanto, na vida prática, esse aprimoramento cada vez mais fino de previsão das necessidades de bens de primeira ordem, culminado com a sua disponibilidade na sociedade de mercado torna a imprevisibilidade futura dessa disponibilidade cada vez menos importante conforme a oferta de mercados globais de bens se expande.
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