Choques Fiscais e Inflação: Apenas a Política Monetária Não Será o Bastante (17/11/2023)

 No intrincado cenário econômico, a interação entre política fiscal e monetária desempenha um papel crucial na determinação dos rumos da atividade econômica. A política fiscal, responsável pelas decisões relativas a gastos e tributação, pode moldar diretamente a demanda agregada e, consequentemente, influenciar indicadores econômicos fundamentais. Contudo, quando desalinhada da política monetária, encarando uma divergência estratégica, essa inter-relação pode dar origem a efeitos indesejáveis e desafios substanciais para a condução macroeconômica. 

É nesse contexto complexo que se insere o desafio identificado por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil, para os anos fiscais de 2024 e 2025. O alinhamento coerente e eficaz entre as políticas fiscal e monetária emergiu como uma necessidade premente, destacando-se como o epicentro das preocupações para a estabilidade econômica no horizonte temporal mencionado. Nesse contexto, delinearemos de forma mais detalhada os contornos dessa inter-relação e os potenciais impactos derivados da dissonância entre essas políticas. Os choques fiscais emergem como uma preocupação central para o Banco Central devido ao seu potencial impacto significativo no ambiente econômico. Alterações nas variáveis fiscais, como receitas, despesas, tributação e distribuição de renda, têm o poder de afetar a estabilidade macroeconômica. A desalinhada interação entre política fiscal e monetária pode introduzir distorções, tornando essencial a harmonização dessas políticas para evitar efeitos adversos. 

 A política fiscal refere-se às decisões do governo relacionadas a gastos públicos e tributação para influenciar a atividade econômica. Ela busca afetar a demanda agregada e a distribuição de recursos na economia. Por outro lado, a política monetária é conduzida pelo banco central e envolve o controle da oferta de dinheiro, taxas de juros e condições de crédito para alcançar objetivos como estabilidade de preços e crescimento econômico. Enquanto a política fiscal opera por meio do orçamento do governo, a política monetária foca nas variáveis financeiras e monetárias para influenciar a economia.

Os choques fiscais referem-se a mudanças nas variáveis fiscais, que podem impactar significativamente o ambiente econômico de um país, como a relação entre as receitas e despesas, tributação e distribuição de renda. Muitas pessoas, por não enxergarem a "moeda" como um fenômeno de mercado, e que a sua relação com os bens e serviços de uma economia realmente dependem de uma relação de oferta e demanda, pode causar certas discordâncias no que se trata de temas como inflação, por exemplo. Mas, a política fiscal pode muito bem ter tanto impacto quanto a política monetária em todas as suas matizes, a única diferença é que uma é mais "barulhenta" que a outra. 

Enquanto a política monetária atua no controle de liquidez do mercado com base em operações, na maioria das vezes, com instituições financeiras e na definição de taxas, a política fiscal atua diretamente nos aspectos de gastos públicos e tributação, impactando frontalmente, ou seja, ela não se utiliza de intermediários (como bancos) para a consecução de suas políticas, causando um impacto indireto para com a liquidez, mas utiliza-se de políticas que impactam diretamente, e podem ser percebidas imediatamente pelo agente econômico afetado.

A seguir, farei um breve apanhado de como algumas veredas percorridas pelos agentes perpetradores de políticas fiscais podem impactar no ambiente econômico nacional:

1) Política Fiscal Expansionista/Contracionista: Se o governo aumentar os gastos ou reduzir os impostos para estimular a economia (política fiscal expansionista), isso pode estimular a demanda agregada, e, potencialmente, a inflação. Por outro lado, se o governo corta gastos públicos ou aumenta impostos, isso pode causar uma retirada de liquidez da economia, reduzindo a demanda agregada e a inflação. Portanto, é muito importante considerar os gastos públicos e a carga tributária para analisar as condições acomodatícias em uma economia (aqui estou desconsiderando a dimensão qualitativa dessa alocação, portanto, não estou levando em conta as condições do mercado de alocar recursos com maior ou menor eficiência, mas, considero que, segundo o conceito da Descentralização do Conhecimento e da livre iniciativa, considero que em condições naturais, onde os sinais de preço representam materialmente a interação descentralizada de oferta e demanda no mercado. Esses sinais representam a síntese de uma vasta quantidade de informações dispersas entre os participantes do mercado, incluindo conhecimento sobre preferências, escassez de recursos, condições locais e mudanças nas condições econômicas).

2) Impostos sobre Consumo: Alterações tributárias sobre bens e serviços atuam frontalmente nos preços repassados aos consumidores, causando pressões inflacionárias se o consumo se mantiver intacto. Porém, em condições onde a demanda por um determinado bem ou serviço é elástica, ou seja, ela se manifesta através de um "cálculo econômico" pessoal, onde um sujeito determina através do valor marginal, propriamente subjetivo, se vale ou não vale a pena comprar determinado bem/serviço. Nesse caso, um aumento nos impostos pode impedir um crescimento substancial da demanda agregada, uma vez que dificultará a atividade pelo aumento do preço final do bem/serviço. Porém, se o governo aumentar esses impostos e gastar em outra atividade, em forma de subsídios ou auxílios, ele estará distribuindo essa atividade em outro setor, não causando impacto na inflação quando avaliada as variáveis econômicas como um todo, no contexto amplo

3) Impostos sobre Renda e Empresas: Alterações nas taxas de imposto sobre renda e empresas podem afetar o comportamento dos consumidores e das empresas de forma substancial. Reduções nos impostos sobre a renda podem aumentar a renda disponível para as famílias, estimulando o consumo e até mesmo a poupança dependendo das condições econômicas, mas, no geral, estimulará a demanda agregada, podendo desembocar em um aumento de preços dos bens/serviços final pela pujança da demanda. Por outro lado, se ocorrer uma redução nos impostos das empresas, essas poderão compensar o aumento de demanda com um aumento subjacente de oferta, equalizando o cálculo econômico e equilibrando os preços. Por outro lado, se os impostos sobre as empresas aumentarem, esses custos serão repassados para o consumidor final. Portanto, podemos ver que a economia sempre necessitará de soluções multifatoriais, que envolvem mudanças em condições de setores simultâneos, pois os sinais de preços impactam de maneira significativa todos eles, e mudanças em condições que devem tender ao equilíbrio, quando feitas unilateralmente, causarão efeitos indesejados para a eficiência de todos os fatores de produção.

4) Subsídios e Transferências: Aumentos em subsídios podem fazer preços de alguns produtos selecionados caírem, mas terão a contrapartida de três outros fatores indesejados para qualquer governo: 1) Monetizar a dívida e gerar inflação; 2) Se endividar e 3) Aumentar os impostos e perder "capital político".

5) Dívida Pública e Serviço da Dívida: O nível de dívida pública e os custos associados ao serviço da dívida podem influenciar as decisões de política fiscal. Um aumento na dívida pode suscitar pressões inflacionárias de tipos diferentes, que citarei a seguir:

5.1) Monetização da Dívida: Se um governo financiar seus gastos aumentando a oferta de dinheiro na economia sem contrapartida real (imprimindo meio circulante) para comprar seus próprios títulos de dívida, isso pode levar a um aumento de meios circulantes na economia real. Se a oferta de bens e serviços não aumentar proporcionalmente ao dos meios circulantes, ocorrerá inflação pela atividade desmedida da demanda.

5.2) Expectativas Inflacionárias: Se os agentes econômicos esperam que o governo adote políticas inflacionárias para o alívio do peso da dívida, como a monetização, eles poderão: 1) Antecipar o consumo para garantir o poder de compra da moeda na hora da compra, aumentando a demanda agregada e a inflação; 2) Fazer pressão vendedora na moeda, desvalorizando o câmbio e tornando as importações mais caras, em última instância isso pode causar uma espiral inflacionária.

5.3) Taxas de juros: Sobrepujado pelo custo da dívida, o governo poderá ter que diminuir a taxa de juros para conseguir equalizar o serviço da dívida com o seu erário. Mas a contrapartida é que isso pode estimular a economia, aumentando ainda mais a inflação. 

 5.4) Efeito Crowding Out: Se o governo se endividar a tal ponto que os spreads de seus títulos se tornarem muito altos, o dinheiro poderá fluir dos mercado de crédito privado para o Tesouro, diminuindo assim a capacidade do setor privado de obter financiamento para a produção e expansão de seus negócios. Isso causará uma contração da produção, que, se a demanda por bens e serviços manter-se idêntica, ocorrerá uma elevação nos preços.

Esses são apenas algumas formas que os choques fiscais podem impactar na economia real. Portanto, precisamos zelar pela consonância entre as políticas fiscal e monetária, de forma a propiciar um ambiente salutar em prol do desenvolvimento econômico. 

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